O mercado tecnológico, constantemente destacado como um dos mais promissores, esbarra em desigualdades estruturais. A Associação das Empresas de Tecnologia da Informação e Comunicação (TIC) e de Tecnologias Digitais (Brasscom) divulgou, em 2022, uma análise do perfil demográfico dos trabalhadores no setor de TIC no Brasil com achados de desproporções significativas entre os indivÃduos. Dos profissionais atuantes, 57,4% são identificados como brancos e asiáticos, com uma distribuição de 21% mulheres e 36% homens. Em contraste, 30,4% são trabalhadores pretos, pardos ou indÃgenas, dos quais apenas 11% são mulheres e 19% são homens. Chama atenção que apenas 906 profissionais se autodeclararam indÃgenas. Esses números ganham relevância ao serem confrontados com a composição demográfica nacional, onde a maioria da população é preta e feminina.
Diante desse cenário, um movimento por parte das organizações da sociedade civil ganha força ao utilizar a tecnologia como ferramenta para narrar suas próprias histórias, desafiando narrativas estabelecidas e evidenciando questões invisibilizadas. Tal aspecto foi mostrado na Conferência Brasileira de Jornalismo de Dados e Métodos Digitais 2023 (Coda.Br), realizada em São Paulo, durante os dias 18 e 19 de novembro. A programação abrangeu uma variedade de temas relacionados aos direitos humanos e à diversidade. Um exemplo foi o painel “Dados pela vida: segurança e letalidade policial” que usou metodologias das ciências de dados para revelar lacunas nos dados de violência policial, especialmente em relação à comunidade LGBTQIA+ e periférica.Â
Uma das plataformas que direcionaram os debates foi a Fogo Cruzado, que forneceu dados detalhados sobre violência armada, sobretudo, nas comunidades do Rio de Janeiro, e apontou também um achado importante que é a estratégia na tentativa de diálogo com o público: manter viva a memória das vÃtimas, incluindo crianças. A iniciativa “Futuro Exterminado” surge dedicada à memória das crianças vÃtimas de bala perdida no Rio de Janeiro. Ao contar suas histórias, a plataforma busca mobilizar o poder público, a sociedade civil e diferentes grupos polÃticos, utilizando dados que abordam gênero, idade e raça. Dados levantados pela plataforma mostram que 623 pessoas entre 0 e 17 anos foram baleadas no Grande Rio desde julho de 2016, ou seja, em média, a cada quatro dias uma criança ou adolescente é baleado.
Já a Ponte Jornalismo, também presente no painel, evidenciou disparidades entre os estados, com alguns divulgando de forma mais eficaz os dados de letalidade do que os de vitimização pela polÃcia. Um caso destacado é o PiauÃ, que não forneceu dados de vitimização e não os divulga em seu site. Outro destaque foi o Jornal Correio da Bahia ao revelar a importância da contextualização ao abordar a segurança pública no estado. A partir da implementação do Fogo Cruzado, a cobertura se tornou mais completa, integrando a localização da violência, a quantificação dos registros e a contextualização dos motivos por trás dos incidentes.Â
Houve ainda a apresentação da iniciativa de jornalismo das periferias de São Paulo. Uma delas é da Agência Mural que a partir das quedas de passageiros no vão entre o trem e a plataforma de uma das linhas da capital paulista, mostrou um trabalho prático de como as investigações de dados podem ajudar no dia a dia da população. Eles constataram que na linha 11 houve mais de 100 quedas nos trilhos no perÃodo analisado, com estudo via lei de acesso à informação. E verificaram ainda estações com vão maior que 40 centÃmetros, 4 vezes acima do recomendado pela ABNT. Após isso, a administração estadual passou a instalar borrachas no chão das estações e houve uma redução significativa das quedas.Â
O Coda destacou estudos Sul-Americanos sobre a crise climática, fundamental para entender as questões da região que vem sofrendo com ciclones tropicais, ondas de calor, seca, chuva intensa e ondas de frio, além de impactos na agricultura e deslocamento devido à s mudanças climáticas.Â
Tais iniciativas destacadas não apenas comunicam dados e a produção cientÃfica, mas afirmam a importância da produção descentralizada de conhecimento, direcionando novas formas de conscientização e engajamento, e a possÃvel criação de polÃticas públicas, trazendo novos olhares e novos participantes para o mundo dos dados e da tecnologia.